domingo, 23 de outubro de 2016

Arremate


                                           Acervo Pessoal


A conversa durou dez cigarros. Um atrás do outro... lentos e queimados mais que tragados.

Há tempos não fumava tanto assim, mas isso a acalmava nesses dias de ócio e passado tão presente. Sabia que no dia seguinte os cabelos teriam o cheiro da fumaça, mas era preciso conversar. Era preciso algo que acompanhasse aquele momento. 

Havia impaciência ao digitar tudo aquilo e, como quando criança queria ser ambidestra como a mãe e tinha alguma destreza com a canhota, passara o cigarro para a mão esquerda. Dessa forma o digitar acompanhava o pensamento. 

Tudo ali era sobre o passado. Aquele que ainda magoava, mas não era mais tão importante. Contraditório, né? É como se precisasse fechar chaves em uma equação ou parênteses em uma frase. Aquilo era necessário. 

Os ombros doíam enquanto falavam sobre as coisas boas de agora e com as pitadas de rancores de coisas de outrora. Ficou se perguntando qual era o sentido de continuar. Lembrou-se dos anos e das coisas que guardou. Carregava consigo caixas de lembranças ruins empoeiradas e guardadas. Cada uma que abria era um momento diferente e uma memória que a fazia sentir o estômago. Devia ser a gastrite que o médico tanto alertou. Seria preciso abrir cada caixa, ver cada uma e jogar fora. Se não fizesse isso, lembraria sempre da caixa fechada e ficaria se perguntando o que tinha nela. Era preciso digerir.

Daí sentiu de novo o estômago. Pensou que aquilo era o universo dizendo "Joga essa porra toda fora! Nem tudo a gente precisa digerir". 

No sétimo cigarro tentou terminar a conversa com alguma frase de efeito e viu que o "Digitando..." não aparecia mais. Apagou tudo que iria mandar, releu e ficou olhando que tinha dito até ali. Acendeu o oitavo e viu que ele tentou falar das coisas boas que aconteciam. Contou situações aleatórias e puxava mais assunto. Ela só olhava para a tela. Tentava lembrar do perfil dele e ficou excitada. Sabia que era a falta de sexo e não dele em si. Não soube o que responder e deixou pra lá.

No décimo, tragou fundo e tentou fazer graça com o cigarro... um desenho ou uma pose sexy. Desistiu. Apagou a conversa e pôs os pés apoiados na coluna que segurava o varal e dava beleza ao telhado, além da sustentação, e só conseguiu pensar em uma coisa enquanto olhava para as estrelas "preciso comprar mais cigarros". 

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